“[… que, no campo aberto por Freud, restaure a sega cortante de sua verdade; que reconduza a práxis original que ele instituiu sob o nome de psicanálise ao dever que lhe compete em nosso mundo; que, por uma crítica assídua, denuncie os desvios e concessões que amortecem seu progresso, degradando seu emprego. ]”
Lacan, Jacques. Ato de fundação – 21 de junho de 1964
Desde o surgimento da psicanálise sua prática esteve em risco. A noção de sexualidade em Freud, o corpo atravessado pela linguagem e um eu que não é autônomo, sempre foram motivo para ataques e perturbações, dentro e fora do seu campo. Ouvimos as marcas, seu trilhamento, pelas vozes e escritos daqueles que mantém vivo o discurso analítico no seio da sociedade. Guiados, decididamente, pela crítica constante ao que é dito em nome da psicanálise e pela ética da experiência analítica.
Se no século XXI, analistas se organizam, a partir do espaço simbólico de um território latino-americano, a fim de formar uma experiência de trabalho e transmissão em psicanálise, é com a notícia de que a subversão que o pensamento de Freud operou na noção de sujeito, não é sem consequências para as condições de possibilidade de uma práxis, que envolve outra relação com a temporalidade e com o saber.
Em um cenário conflituoso, que ao mesmo tempo sustenta o retrocesso de um passado-presente patriarcal, colonial e racista e a permeabilidade para a invenção de outras condições de realidade, que partam do fazer-com o mal-estar na cultura, a psicanálise se destaca como um discurso proeminente na sociedade brasileira.
O próprio espaço onde nos situamos e pretendemos exercer a prática da psicanálise não se mostra indiferente, uma vez que ele atua de maneira concreta no próprio ato de colocar essa prática em movimento. Nesse sentido, o território de Campinas e Região Metropolitana, assim como sua história e suas contradições, não deixam também de atravessar nossa proposta de constituir Fórum e de tentar fazer corpo entre a psicanálise e a cidade.
Cabe aos analistas recolher os furos dessa história, entre o trabalho de transferência e as transferências de trabalho, e protagonizar, a partir da formação de cada-um analista, a cena que compõe as possibilidades de sustentação do ato clínico, da investigação e elaboração teórica, da transmissão e da pesquisa – com o horizonte da ética do desejo.
Somos efeito desse discurso, não estamos apartados de sua história de múltiplas vertentes, e continuaremos trabalhando para que ela siga viva e em constante desenvolvimento. A psicanálise não recua frente às tentativas de encobrimento, pois não há apagamento do inconsciente. Assim se faz necessário o discurso analítico, em articulação com outros saberes, para poder investigar os sintomas e imperativos de gozo de nossa época.